sexta-feira, 8 de agosto de 2014

A Paz de Vestfália — um marco na história da Europa

A Paz de Vestfália  um marco na história da Europa
“COM tantos chefes de Estado europeus reunidos como estão aqui hoje, este certamente é um evento extraordinário.” Roman Herzog, ex-presidente da República Federal da Alemanha, fez essa declaração em outubro de 1998. Na ocasião, havia na assistência quatro reis, quatro rainhas, dois príncipes, um grão-duque e diversos presidentes. O evento, patrocinado pelo Conselho Europeu, foi extremamente importante na história de 50 anos do moderno Estado Alemão. Qual era a razão do evento?
Em outubro de 1998, o Tratado de Paz de Vestfália completou 350 anos. Acordos de paz muitas vezes são momentos de virada na história, e nesse respeito o Tratado de Vestfália foi especial. A assinatura desse acordo em 1648 pôs fim à Guerra dos Trinta Anos e marcou o nascimento da Europa moderna qual continente de Estados soberanos.
Uma velha ordem é abalada
Durante a Idade Média, as instituições mais poderosas na Europa eram a Igreja Católica Romana e o Sacro Império Romano. O império era formado por centenas de Estados de diversos tamanhos e ocupava uma área que hoje inclui a Áustria, a República Tcheca, a França oriental, a Alemanha, a Suíça, os Países Baixos e partes da Itália. Visto que os Estados alemães compunham a maior parte dele, o império ficou conhecido como Sacro Império Romano Germânico. Cada Estado era governado de modo semi-autônomo por um príncipe. O imperador era católico-romano, da família austríaca dos Habsburgos. Assim, por meio da autoridade do papa e do imperador, a Igreja Católica Romana tinha a Europa firmemente em suas mãos.
Nos séculos 16 e 17, porém, a ordem estabelecida foi abalada. A insatisfação generalizada com os excessos da Igreja Católica Romana espalhou-se por toda a Europa. Reformadores religiosos como Martinho Lutero e João Calvino pregavam um retorno aos valores bíblicos. Lutero e Calvino receberam amplo apoio, e desse movimento nasceram a Reforma e as religiões protestantes. A Reforma dividiu o império entre três religiões — católica, luterana e calvinista.
Os católicos viam os protestantes com desconfiança, e os protestantes encaravam seus rivais católicos com desprezo. Esse clima levou à formação da União Evangélica, protestante, e da Santa Liga, católica, no início do século 17. Alguns príncipes do império aderiram à União, outros à Liga. A suspeita transformou a Europa — e especialmente o império — num barril de pólvora, que só precisava de uma centelha para explodir. Quando a centelha finalmente chegou, deu início a um conflito que durou 30 anos.
Uma centelha sinistra incendeia a Europa
Regentes protestantes tentaram convencer os Habsburgos católicos a permitir mais liberdade de religião. Mas as concessões eram feitas a contragosto, e, em 1617-18, duas igrejas luteranas na Boêmia (atual República Tcheca) foram fechadas à força. Isso ofendeu os nobres protestantes, que invadiram um palácio em Praga, apoderaram-se de três autoridades católicas e os atiraram por uma janela. Tal ato foi a centelha que incendiou a Europa.
Embora supostamente fossem seguidores do Príncipe da Paz, Jesus Cristo, membros das religiões rivais estavam agora em guerra. (Isaías 9:6) Na batalha da Montanha Branca, a Liga infligiu uma derrota esmagadora à União, que se desintegrou. Nobres protestantes foram executados na praça pública de Praga. Em toda a Boêmia, os bens dos protestantes que não renegaram a fé foram confiscados e divididos entre católicos. O livro 1648—Krieg und Frieden in Europa(1648 — Guerra e Paz na Europa) descreve esse confisco como “uma das maiores transferências de propriedades de todos os tempos na Europa central”.
O que começou como um conflito religioso na Boêmia transformou-se em uma disputa internacional pela supremacia. Nos 30 anos seguintes, a Dinamarca, a Espanha, a França, a Holanda e a Suécia envolveram-se no confronto. Governantes católicos e protestantes, muitos deles movidos pela ganância e pela sede de poder, fizeram de tudo para obter a supremacia política e lucro comercial. A Guerra dos Trinta Anos foi dividida em períodos, cada um denominado conforme os principais inimigos do imperador. Diversas obras de referência citam quatro de tais períodos: o boêmio, o dinamarquês, o sueco e o franco-sueco. A maior parte dos combates ocorreu no território do império.
As armas da época incluíam pistolas, mosquetes, morteiros e canhões, sendo a Suécia o principal fornecedor de armamentos. Católicos e protestantes envolveram-se no conflito. Soldados iam à batalha gritando “Santa Maria” de um lado e “Deus está conosco” do outro. Tropas realizavam saques pelo caminho através dos Estados alemães, tratando os inimigos e a população civil como animais. A guerra descambou para a selvageria. Que contraste com a profecia bíblica: “Não levantarão espada, nação contra nação, nem aprenderão mais a guerra”! — Miquéias 4:3.
Uma geração de alemães cresceu mergulhada na guerra, e a população esgotada ansiava pela paz. Aparentemente, a paz teria sido possível se não fossem os interesses políticos incompatíveis dos governantes. A guerra foi se tornando cada vez mais política e secular, ao passo que deixava de ser um conflito religioso entre católicos e protestantes. Ironicamente, quem teve um papel importante nessa mudança foi um clérigo de elevada posição na hierarquia da Igreja Católica.
O cardeal Richelieu usa sua autoridade
O título oficial de Armand-Jean du Plessis era cardeal Richelieu. Ele foi também o primeiro-ministro da França de 1624 a 1642. Richelieu planejava fazer da França a potência dominante da Europa. Para conseguir seu objetivo, tentou minar o poder dos Habsburgos, que também eram católicos. Como fez isso? Ajudando financeiramente os exércitos protestantes dos Estados alemães, da Dinamarca, da Holanda e da Suécia, todos os quais estavam em guerra contra os Habsburgos.
Em 1635, Richelieu enviou tropas francesas à guerra pela primeira vez. O livrovivat pax—Es lebe der Friede! (Viva a Paz!) explica que, no período final, “a Guerra dos Trinta Anos deixou de ser um conflito entre facções religiosas.  . . . Tornou-se uma disputa pela supremacia política na Europa”. O que começou como um conflito religioso entre católicos e protestantes terminou com católicos, aliados a protestantes, guerreando contra outros católicos. A Santa Liga, já enfraquecida no início da década de 1630, foi desmantelada em 1635.
A Conferência da Paz em Vestfália
A Europa foi arrasada por saques, matança, estupros e doenças. Um anseio pela paz foi se tornando cada vez mais forte com a constatação de que essa era uma guerra que ninguém conseguiria ganhar. O livro vivat pax—Es lebe derFriede! explica que “perto do fim da década de 1630, os príncipes em guerra finalmente reconheceram que o poderio militar não os ajudaria mais a atingir seu objetivo”. Mas se a paz era o que todos queriam, como seria alcançada?
O imperador Ferdinando III, do Sacro Império Romano, o rei Luís XIII, da França, e a rainha Cristina, da Suécia, concordaram na realização de uma conferência em que todas as partes envolvidas na guerra se reuniriam e negociariam termos de paz. Dois locais foram escolhidos para as conversações — as cidades de Osnabrück e Münster, na província alemã de Vestfália. Elas foram escolhidas porque ficavam a meio caminho entre as capitais da Suécia e da França. A partir de 1643, cerca de 150 delegações — algumas com grandes comissões de conselheiros — chegaram às duas cidades. Os enviados católicos reuniram-se em Münster e os protestantes, em Osnabrück.
Primeiro estabeleceu-se um código de conduta, para determinar questões como o título e a categoria dos enviados, a disposição dos assentos e os procedimentos. Então as conversações começaram, com as propostas sendo transmitidas de uma delegação para outra por meio de mediadores. Depois de quase cinco anos — durante os quais a guerra continuava —, chegou-se a um consenso sobre os termos de paz. O Tratado de Vestfália consistiu em mais de um documento. Um acordo foi assinado entre o imperador Ferdinando III e a Suécia, e outro entre o imperador e a França.
À medida que a notícia sobre o tratado se espalhava, começavam as comemorações. O que teve início com uma centelha sinistra acabou com fogos de artifício literais. Eles iluminaram o céu de várias cidades. Sinos de igreja soaram, tiros de canhão foram disparados e as pessoas cantaram nas ruas. Será que a Europa poderia agora esperar a paz duradoura?
A paz duradoura é possível?
O Tratado de Vestfália reconheceu o princípio da soberania. Isso significava que cada signatário do tratado concordava em respeitar os direitos territoriais de todas as outras partes envolvidas e em não interferir nos seus assuntos internos. Assim nasceu a Europa moderna, como continente de Estados soberanos. Entre esses Estados, alguns se beneficiaram mais com o tratado que outros.
A França se firmou como grande potência, e a Holanda e a Suíça ganharam, cada uma, a sua independência. Para os Estados alemães, muitos dos quais arruinados pela guerra, o tratado tinha suas desvantagens. O destino da Alemanha foi em parte decidido por outras nações. The New Encyclopædia Britannicainforma: “Os ganhos e as perdas dos príncipes alemães foram determinados conforme a conveniência das principais potências: França, Suécia e Áustria.” Em vez de se aproximarem e se unificarem em uma nação, os Estados alemães estavam tão divididos quanto antes. Além disso, parte de seu território foi entregue ao controle de governantes estrangeiros, como aconteceu com trechos dos principais rios da Alemanha — o Reno, o Elba e o Oder.
Concedeu-se às religiões católica, luterana e calvinista o mesmo reconhecimento. Isso não agradou a todos. O Papa Inocêncio X reagiu veementemente ao tratado, declarando-o nulo e inútil. Apesar disso, as fronteiras religiosas que foram traçadas permaneceram praticamente inalteradas durante os três séculos seguintes. Embora a liberdade religiosa individual ainda não tivesse chegado, já estava um passo mais perto.
O tratado pôs fim à Guerra dos Trinta Anos, e a maior parte das hostilidades cessou. Aquela foi a última grande guerra religiosa na Europa. As guerras não cessaram, mas a religião deixou de ser a causa subjacente, dando lugar à política e ao comércio. Mas isso não quer dizer que a religião tenha perdido totalmente a influência nas hostilidades na Europa. Na Primeira e na Segunda Guerras Mundiais, os soldados alemães levavam na fivela do cinto a inscrição de um lema familiar: “Deus está conosco”. Durante aqueles conflitos terríveis, católicos e protestantes mais uma vez se aliaram para combater católicos e protestantes inimigos.
É evidente que o Tratado de Vestfália não trouxe paz duradoura. No entanto, tal paz em breve será usufruída pela humanidade obediente. Jeová Deus trará paz eterna para a humanidade por meio do Reino messiânico de seu Filho, Jesus Cristo. Sob esse governo, a única religião, a verdadeira, será uma força unificadora, não divisória. Ninguém irá à guerra, por nenhuma razão, religiosa ou qualquer outra. Que alívio será quando o governo do Reino assumir o pleno controle da Terra, e ‘a paz não tiver fim’! — Isaías 9:6, 7.


1648: Paz da Vestfália encerrava Guerra dos Trinta Anos

1648: Paz da Vestfália encerrava Guerra dos Trinta Anos

No dia 24 de outubro de 1648, o imperador Ferdinando 3ºI assinou a Paz da Vestfália com a Suécia e a França. O documento marcou o fim do primeiro grande conflito europeu.
Igreja de São Nicolau, em Münster
O que no começo foi um conflito religioso, acabou se tornando uma luta pelo poder na Europa. A Guerra dos Trinta anos começou em 23 de maio de 1618, na Boêmia (hoje República Tcheca). Nobres protestantes haviam invadido o castelo da capital e jogado pela janela os representantes do imperador, por causa da intenção de demolir duas igrejas luteranas, contrariando a liberdade religiosa. Este episódio ficou conhecido como a Defenestração de Praga.
O Sacro Império Romano de Nação Germânica foi formado por Otto, o Grande, sagrado imperador pelo papa João 12 em 962. Começou assim o 1º Reich, que seria dissolvido apenas em 1806. A este fato, somou-se a recusa da Liga Evangélica em aceitar a eleição do imperador católico radical Ferdinando 2º (1578–1637). Em represália, coroou o protestante Frederico 5º (1596–1632) rei da Boêmia.
Depois que as tropas imperiais invadiram o território boêmio e derrotaram os protestantes, Ferdinando 2º condenou os revoltosos à morte e confiscou os domínios de Frederico 5º, cancelou seu direito de príncipe eleitor, declarou abolidos os privilégios políticos e a liberdade de religião. Os demais principados protestantes do Sacro Império Romano de Nação Germânica sentiram-se ameaçados e entraram no conflito.
França entra na guerra
Na segunda fase, a guerra tomou proporções internacionais, com o ingresso da Dinamarca e da Noruega. A fase seguinte envolveu a Suécia, que acabou derrotada. A última etapa da guerra envolveu diretamente a França, governada pelo cardeal Richelieu, cuja política externa visava transformar a França em uma potência na Europa. A França já havia apoiado dinamarqueses e suecos e declarou guerra à Espanha em 1635. O conflito estendeu-se até 1648, quando a Espanha, bastante enfraquecida, aceitou a derrota.
Mercenários holandeses, ingleses e espanhóis pilharam, incendiaram casas, e mataram milhares de pessoas. Quem não foi assassinado morreu de fome ou de epidemias. Os próprios soberanos reconheceram que ninguém sairia vitorioso e resolveram organizar o armistício em duas frentes.
A católica cidade de Münster e a luterana Osnabrück foram escolhidas como sedes em 1641. A partir de 1644, 150 delegados começaram seus trabalhos nas duas cidades. Mensageiros viajavam constantemente entre ambas, e também Viena, Roma e outras capitais europeias.
Paz leva a mudanças radicais
Quatro anos depois, em 24 de outubro de 1648, a conferência foi encerrada com três tratados independentes e o anúncio do armistício, que levou o nome da região da Vestfália. Seus resultados mais importantes: suíços e holandeses tornaram-se autônomos; o poder do imperador da dinastia Habsburg foi reduzido, em favor do dos príncipes e dos membros do Reich; o império manteve sua constituição federalista; e católicos e protestantes passaram a ser considerados fiéis com os mesmos direitos.
A Alemanha saiu arrasada da guerra, com a população reduzida de 16 milhões para 8 milhões. No império constituído por 300 territórios soberanos, não sobrou nenhum sentimento nacional comum.
A França foi a grande vitoriosa: anexou a Alsácia e consolidou o caminho para sua expansão. Por sua vez, a Espanha prosseguiu em luta contra os franceses até que, derrotada pela aliança franco-inglesa, aceitou a Paz dos Pirineus, em 1659, o que confirmou o declínio de sua supremacia.